ARTE E ENTRETENIMENTO

Aimar Labaki

ARTE E ENTRETENIMENTO

ARTE Y ENTRETENIMIENTO

Aimar Labaki

Escrita há vinte anos, com fins didáticos, essa nota continua mais atual que nunca. Ainda que não fale no mundo virtual, muito menos em AI. Evidente que eu poderia reescrevê-la, limar seus defeitos e atualizá-la. Mas prefiro não o fazer. Meio à Bartleby, meio a Plínio Marcos (“Não são minhas peças que são clássicas, o Brasil é que não muda.”), deixo o barco correr, já que ainda parece interessar a alguém.

Arte é a atividade humana de reorganizar os elementos do mundo sensível. Se o objeto dessa reordenação lúdica são os sons, trata-se de música. Se imagens, arte visual. Se palavras, literatura. Quando o que reorganizamos são as ações humanas, a arte ganha o adjetivo de dramática - que já foi só teatro, e hoje também se espraia pelo cinema e pela ficção feita para televisão, vídeo, internet, celular, etc., ainda que essas últimas abarquem outras artes.

Quando escutamos com atenção a uma música, colocamos em xeque nossa capacidade auditiva, mas também nosso repertório de sons e de estruturas sonoras. Já conhecíamos esse acorde? E esse silêncio? Quando vemos uma peça de teatro, revisitamos nosso repertório de relações humanas e de conceitos (morais, políticos, existenciais) para compreender e nos colocarmos diante das situações apresentadas. Qualquer obra de arte nos obriga, ainda que artista e espectador não tenham consciência disso, a nos redefinirmos física e simbolicamente.

Esse processo ocorre mesmo quando a fruição da obra se dá apenas em nível sensorial ou emocional. Mas é claro que quanto mais informado e cultivado for o espectador, mais profundamente ele vai conseguir aproveitar a experiência artística. Nesse sentido, é sempre possível ampliar o prazer da experiência estética.

O campo para o qual se pode crescer é o da razão e da consciência. A comunicação sensorial pode se dar sempre.Qualquer analfabeto pode se emocionar com a leitura de um poema de Carlos Drummond de Andrade. No entanto, se ele aprender a ler e tiver acesso ao mesmo poema, com certeza o lerá à sua maneira, única, incorporando-o a seu patrimônio simbólico. Isto é, ele tornará seu aquele poema. É claro que o mesmo se dá se a mesma pessoa, sem aprender a ler, decorar o poema. Mas, podemos afirmar, sem medo de sermos preconceituosos, que tal experiência estará sempre aquém do potencial desse cidadão.

Qualquer pessoa que nunca tenha ido ao cinema pode se emocionar com um DVD de um filme de Fellini. No entanto, se tiver o hábito de assistir ao audiovisual em uma tela grande e com uma projeção decente, e conhecer um pouco da linguagem, poderá se emocionar não só com a história, mas com a forma como ela é contada e com os elementos sonoros e visuais que a compõem.

A rigor, a arte não tem função. O único sentido da arte é existir. A única função do artista é produzir arte. O que não quer dizer que, independentemente ou paralelo a essa autossuficiência, não possam existir funções inerentes ao processo artístico: políticas, pedagógicas, sociais, terapêuticas, etc. Mas, para que a arte possa amadurecer e frutificar em sua plenitude é essencial que seu processo só esteja subordinado à sua lógica interna e à subjetividade do artista – não confundir isso com a defesa da simples expressão da vontade do artista. Para ser arte é preciso que dialogue e ultrapasse a tradição em que se insere. Mas essa é uma condição a priori, não uma função.

Entretenimento é a atividade humana de distrair, relaxar o homem por meio da reprodução de padrões artísticos já conhecidos. Uma comédia de costumes ou um melodrama tout court, a música popular ou erudita que se estrutura apenas pela reprodução de elementos conhecidos e queridos do gosto médio, as telenovelas ou filmes de longa metragem “comerciais” são exemplos de obras produzidas tendo por objetivo o entretenimento. Se a arte leva o indivíduo a redefinir os seus sentidos, a função do entretenimento é levar o fruidor a esquecê-los. Mais ainda, pretende que ele oblitere sua capacidade de refletir e simbolizar. A arte faz o homem lembrar-se de si e reinventar-se. O entretenimento permite ao homem esquecer sua própria existência e seus problemas (isto é, suas circunstâncias). Arte faz pensar. Entretenimento faz parar de pensar.

Ambas funções importantes e necessárias. Mas necessariamente antagônicas. Ainda que exista um enorme universo de obras que transitam simultaneamente pelas duas funções. O mundo não é branco e preto, mas cinza. Já vivi o suficiente para aprender isso. No entanto, quando falamos de democratização da cultura e, pior ainda, de financiamento público, misturamos sem pudor esses dois conceitos.

A arte, por sua própria natureza, implica em risco, incômodo, erro. O Entretenimento, por seu lado, só é arriscado na medida em que tudo que é humano é passível de erro. O entretenimento é parceiro natural da comunicação das grandes empresas. A arte só o é excepcionalmente. Não vai aí um juízo de valor, mas o reconhecimento do universo por onde transitam essas atividades. Nesse sentido, as atividades para-artísticas são parceiras mais naturais da comunicação das grandes empresas. O investimento na área social e ambiental, cada vez maior, encontra, por exemplo no teatro amador, educativo ou terapêutico, mecanismos excepcionais de atuação, que satisfazem simultaneamente os objetivos da empresa e as necessidades da comunidade.

A produção profissional de arte no Brasil se encontra descolada num limbo entre um Estado incompetente e que lavou as mãos de suas responsabilidades na área e um Mercado que ainda não se civilizou por completo. Daí uma produção que não se define entre a arte e o entretenimento, que quer ser artístico, mas não aceita riscos. Que quer entreter, mas almeja o estatuto de arte, que considera superior.

No mundo globalizado, a função da arte é resistir. E para tanto, cada vez mais, é preciso que os artistas lutem para poder produzir sem nenhuma outra função, a não ser o exercício livre e responsável de seu ofício. Nunca foi tão difícil ser simples.

Escrita hace veinte años con fines didácticos, esta nota sigue siendo tan actual como siempre. Aunque no mencione el mundo virtual, y mucho menos la IA. Por supuesto, podría reescribirla, limpiar sus defectos y actualizarla. Pero prefiero no hacerlo. Un poco como Bartleby, un poco como Plínio Marcos (“No son mis obras las clásicas, es Brasil el que no cambia”), dejaré correr el barco, ya que parece que sigue interesando a alguien.

El arte es la actividad humana de reorganizar los elementos del mundo sensible. Si el objeto de esta reorganización lúdica es el sonido, se trata de la música. Si son imágenes, del arte visual. Si son palabras, literatura. Cuando lo que reorganizamos son acciones humanas, el arte adquiere el adjetivo de dramático -que antes era sólo teatro, y hoy se extiende también al cine y a la ficción hecha para televisión, vídeo, internet, teléfonos móviles, etc. aunque estas últimas engloben otras artes.

Cuando escuchamos con atención una pieza musical, ponemos a prueba nuestra capacidad auditiva, pero también nuestro repertorio de sonidos y estructuras sonoras. ¿Conocíamos ya ese acorde? ¿Y ese silencio? Cuando vemos una obra de teatro, revisamos nuestro repertorio de relaciones humanas y conceptos (morales, políticos, existenciales) para comprender y ponernos frente a las situaciones presentadas. Cualquier obra de arte nos obliga, aunque el artista y el espectador no sean conscientes de ello, a redefinirnos física y simbólicamente.

Este proceso se produce incluso cuando la obra sólo se disfruta a nivel sensorial o emocional. Pero está claro que cuanto más informado y cultivado esté el espectador, más profundamente podrá disfrutar de la experiencia artística. En este sentido, siempre es posible ampliar el placer de la experiencia estética.

El campo en el que podemos crecer es el de la razón y la conciencia. La comunicación sensorial siempre puede tener lugar. Cualquier analfabeto puede emocionarse oyendo o escuchando un poema de Carlos Drummond de Andrade. Sin embargo, si aprende a leer y tiene acceso al mismo poema, sin duda lo leerá a su manera, incorporándolo a su acervo simbólico. En otras palabras, hará suyo ese poema. Por supuesto, lo mismo ocurre si la misma persona, sin aprender a leer, memoriza el poema. Pero podemos decir, sin temor a ser prejuiciosos, que esa experiencia siempre quedará por debajo del potencial de ese ciudadano.

Cualquiera que no haya ido nunca al cine puede emocionarse con un DVD de una película de Fellini. Sin embargo, si tiene la costumbre de ver una película audiovisual en una pantalla grande con una proyección decente, y si conoce un poco el idioma, se conmoverá no sólo por la historia, sino por la forma en que está contada y por los elementos sonoros y visuales que la componen.

En sentido estricto, el arte no tiene función. El único significado del arte es existir. La única función del artista es producir arte. Esto no significa que, independiente o paralelamente a esta autosuficiencia, no puedan existir funciones inherentes al proceso artístico: políticas, pedagógicas, sociales, terapéuticas, etc. Pero para que el arte madure y llegue a su plenitud, es esencial que su proceso sólo esté subordinado a su lógica interna y a la subjetividad del artista -no confundir con la defensa de la simple expresión de la voluntad del artista-. Para ser arte, necesita dialogar con la tradición en la que se inserta e ir más allá de ella. Pero esto es una condición a priori, no una función.

El entretenimiento es la actividad humana de distraer y relajar a la gente reproduciendo patrones artísticos bien conocidos. Una comedia costumbrista o un melodrama tout court, la música popular o clásica que sólo se estructura reproduciendo elementos conocidos y queridos por el ciudadano de a pie, las telenovelas o los largometrajes “comerciales” son ejemplos de obras producidas con la intención de entretener. Si el arte lleva al individuo a redefinir sus sentidos, la función del entretenimiento es llevar al espectador a olvidarlos. Es más, quiere que borren su capacidad de reflexión y simbolismo. El arte hace que la gente se recuerde a sí misma y se reinvente. El entretenimiento permite a la gente olvidar su propia existencia y sus problemas (es decir, sus circunstancias). El arte te hace pensar. El entretenimiento te hace dejar de pensar.

Ambas funciones importantes y necesarias. Pero necesariamente antagónicas. Aunque existe un enorme universo de obras que cumplen simultáneamente ambas funciones. El mundo no es blanco y negro, sino gris. He vivido lo suficiente para aprenderlo. Sin embargo, cuando hablamos de democratización de la cultura y, lo que es peor, de financiación pública, mezclamos descaradamente estos dos conceptos.

El arte, por su propia naturaleza, implica riesgo, incomodidad y error. El espectáculo, en cambio, sólo es arriesgado en la medida en que todo lo humano es susceptible de error. El entretenimiento es el socio natural de comunicación de las grandes empresas. El arte sólo lo es excepcionalmente. Esto no es un juicio de valor, sino un reconocimiento del universo por el que transitan estas actividades. En este sentido, las actividades no artísticas son socios más naturales de la comunicación de las grandes empresas. La inversión cada vez mayor en el área social y medioambiental encuentra, por ejemplo, en el teatro aficionado, educativo o terapéutico, mecanismos de acción excepcionales que satisfacen simultáneamente los objetivos de la empresa y las necesidades de la comunidad.

La producción artística profesional en Brasil está atrapada en un limbo entre un Estado incompetente que se ha lavado las manos de sus responsabilidades en la materia y un mercado que aún no se ha civilizado del todo. De ahí una producción que no se define entre arte y entretenimiento, que quiere ser artística pero no acepta riesgos. Quiere entretener, pero aspira al estatus de arte, que considera superior.

En un mundo globalizado, la función del arte es resistir. Y para ello, los artistas tienen que luchar cada vez más para poder producir sin otra función que el ejercicio libre y responsable de su oficio. Nunca ha sido tan difícil ser sencillo.

Aimar Labaki

é dramaturgo, diretor, tradutor, cineasta e ensaísta brasileiro. Autor dos livros “José Celso Martinez Correa” (Publifolha, 2002) e “Stanislávski - Vida, Obra e Sistema” (2016, Funarte, com Elena Vássina). Dirigiu e escreveu o longa metragem “Cordialmente Teus” (2022). Seus textos foram encenados por diretores como Gianni Ratto, Débora Dubois, Emílio de Biasi, Gilberto Gawronski e William Pereira.

Aimar Labaki

es un dramaturgo, director, traductor, cineasta y ensayista brasileño. Es autor de los libros “José Celso Martinez Correa” (Publifolha, 2002) y “Stanislávski - Vida, Obra e Sistema” (2016, Funarte, con Elena Vássina). Dirigió y escribió el largometraje “Cordialmente Teus” (2022). Sus textos han sido puestos en escena por directores como Gianni Ratto, Débora Dubois, Emílio de Biasi, Gilberto Gawronski y William Pereira.