2Escrita da LUZ
Thiago Bresani
O processo de pesquisa do espetáculo Memória Matriz da Cia Lumiato (Brasil/Argentina) começou no ano de 2020 com o desenvolvimento da dramaturgia, realizado por Soledad Garcia, abordando questionamentos presentes em sua história familiar, histórias de mulheres trabalhadoras, imigrantes, determinadas pelas formas de se constituir como mulheres nesta sociedade. As personagens protagonistas, mãe e filha, se encontram para dar lugar a uma nova história de vida, uma história fictícia criada a partir das memórias presentes nos relatos de cada uma das mulheres da família, por isso nossa vontade era de trabalhar com os arquivos pessoais da família dela, como fotos, escritos, peças de roupas, objetos. Segundo o fotografo argentino Pablo Tesoriere¹:
Escrita da LUZ - Hibridismo na construção dramatúrgica no teatro de sombras contemporâneo
Por: Thiago Bresani
Thiago Bresani. Diplomado em Teatro de Títeres e Objetos pela Universidade de San Martin na Argentina, Thiago Bresani, fundador, produtor e sombrista da Cia Lumiato Teatro de Formas Animadas (2008) que atualmente pesquisa o Teatro de Sombras Contemporâneo no Brasil. Desde 2005 trabalha com teatro de formas animadas, participando de vários espetáculos e festivais nacionais e internacionais.
Nesse sentido o espetáculo Memória Matriz tem a intenção de revelar o que está escondido dentro de um arquivo familiar, suas histórias contadas de gerações em gerações a partir do hibridismo da fotografia analógica, da dança e do teatro de sombras contemporâneo, sendo esse arquivo matéria prima para a construção da escrita da dramaturgia do espetáculo.
As fotos estavam na cidade de Buenos Aires/Argentina, com a mãe da Soledad. Então o primeiro a ser feito foi buscar este baú de fotos, mas, infelizmente, não foi possível, pois em 2020 as fronteiras foram fechadas pela pandemia do COVID-19. Obrigados a adiar o encontro com o arquivo familiar, continuamos a escrita da dramaturgia junto com a diretora argentina Ana Alvarado, para a construção desta história que teria sua estreia apenas em março de 2024.
Este artigo é sobre a pesquisa da intervenção na fotografia, a transformação do arquivo em luz e sua utilização simbólica para a construção de uma dramaturgia da sombra na primeira etapa do processo de criação do espetáculo Memória Matriz. Segundo o pesquisador e encenador Alexandre Fávero².
“Dramaturgias e narrativas da sombra combinam-se de formas múltiplas e complementares. Englobam outros gêneros, diferentes técnicas artísticas e procedimentos para contar, planejar e representar uma cena com a linguagem do teatro de sombras. Necessitam de variados recursos técnicos específicos para transformar uma ideia em argumento e materializá-la na cena.”
“La apertura de un álbum fotográfico es la apertura a la propia história. Sin embargo, lo que allí se narra no es um relato completo, es el relato visual editado de una narrativa de momentos félices que excluye y omite secretos familiares y todo aquello que quiere ser silenciado.”
Desta maneira, quando pensamos em trabalhar com a história familiar da Soledad, já tínhamos em mente a utilização do arquivo fotográfico familiar dela, mas para isso necessitávamos transformar essas fotos de papel em luz, só assim seria possível utilizá-las como projeção. Teríamos várias etapas a seguir para chegar até à escrita da luz.
Quando as fronteiras foram reabertas a viagem em busca das fotos conseguiu ser realizada. Já com o arquivo fotográfico em mãos o primeiro a ser feito foi entrar em contato com o fotografo Diego Bresani³, para marcar um ensaio fotográfico e transformar todo esse arquivo analógico em digital. A sessão fotográfica, digitalizou mais de 100 fotos, conservando a memória daquele arquivo de mais de 80 anos, em que muitas fotos estavam bastante deterioradas.
Com as fotos digitalizadas agora era o momento de fazer uma curadoria das que seriam utilizadas para o espetáculo Memória Matriz. Sobre a seleção Carmen Ortiz García comenta⁴:
Registro do arquivo - Soledad Garcia, março 2022, Brasil. Foto: Thiago Bresani.
Para Soledad, a intervenção no arquivo era muitas vezes complexa, pois ali ela estava costurando suas próprias memórias, transformando o arquivo familiar. Não é o mesmo costurar um desconhecido, mas seu o próprio avô. Desta maneira a intervenção foi uma confrontarção com sua própria história, ressignificando o seu passado de forma direta. Para isso foi fundamental a assessoria do artista da imagem Bruno Bresani⁶. Com ele fizemos alguns encontros virtuais para entender como trabalhar a intervenção no arquivo familiar de maneira poética e simbólica.
Na sequência deste processo, junto com Ana Alvarado, decidimos quais seriam as fotos em papel fotográfico que, já com a intervenção da costura, seriam capturadas de maneira analógica com um filme 35mm positivo, transformado em slides, sendo possível assim sua utilização para projeção com luz, construindo imagens e cenas com a linguagem do teatro de sombras contemporâneo. Enviamos para revelar o filme e em 20 dias chegaram os slides. É muito interessante esse processo de transformar o passado, o arquivo, a memória. Antes tínhamos papel e agora o papel físico foi modificado para ser utilizado como luz.
“La selección es en gran medida inconsciente y en general trata de reproducir uma atmósfera equilibrada y feliz. En este sentido hay una serie de ocasiones o temas que se resisten a ser fotografiados (dolor, miseria, disputas, enfermedad, muerte y sexo); su inclusión en las colecciones o álbumes familiares no parece pertinente, por considerar que se trata de fotografías agresivas, impropias o insultantes.”
Por esse motivo a seleção não priorizou fotos com uma “atmosfera feliz”, mas sim as que transmitiam algo para ser contado dentro desta história, as que poderiam ser utilizadas em favor da dramaturgia. Fotos rasgadas, escritas com declarações de amor, com mulheres sozinhas, fotos de casais, de famílias já tinham algo sendo contado, seja pelo tempo, pelas palavras ou pelos personagens que estavam naqueles retratos. Todas essas diferentes composições fotográficas nos guiaram para buscar um significado que, posteriormente, iria ser testado em cena.
O trabalho de intervenção nas fotografias seria feito com a costura, as duas avós da Soledad eram modistas, por isso a escolha da costura como elemento plástico. As intervenções nas fotos foram feitas com linhas de costura vermelha, trazendo essa cor como elemento dramatúrgico, simbolizando o sangue, o amor, a morte. A digitalização do arquivo também foi necessária, pois não queríamos intervir nas fotos originais. Isto nos possibilitous a impressão de várias cópias em papel comum para realização de protótipos e testes das costuras.
Que significados teriam se costurássemos a cara de um homem na foto? Que ele está ausente? Ou que foi responsável por alguma violência? Ou uma mulher? O que significava costurar uma criança? Todo esse processo de escolha e costura era muito intuitivo e livre, foi um longo processo. Segundo Lorena Amoros⁵:
Protótipos das fotos com intervenção da costura, setembro 2022, Brasil. Foto: Thiago Bresani.
“El resultado puede entenderse como un compendio de imágenes discontinuas de carácter irónico y sin límites definidos, cuya intención es desbaratar el archivo familiar. Esta tarea de restituir, distorsionar, recomponer lo fotografiado y pintar el autorreferencial que todos heredamos, está vinculada con la necesidad de confrontar y volvernos contra lo que un día fuimos y ya no somos; contra lo que pensábamos que nos pertenecía y no logramos encontrar.”
Fotos/Slides reveladas, 2013, Brasil. Foto: Thiago Bresani.
Então começamos os ensaios e investigações da utilização de projeções de slides, utilizando como fonte luminosa um projetor de slides Kodak Carrossel. Foram realizados alguns ensaios com a performer Katiane Negrão e improvisações em relação às fotografias, experimentando os símbolos que gostaríamos que fossem gerados aa relação da sombra da atriz com as fotos. Fizemos alguns ensaios abertos para amigos e colegas das artes cênicas, muitos retornos em relação ao que significava cada foto, ou cada intervenção que era feita nela, seja com a linha de costura ou com o toque da sombra da atriz. Nesse momento nos demos conta que tudo o que tínhamos criado se abria para muitas leituras, dependendo da pessoa que estava assistindo, de suas vivêencias e referêencias particulares, gerando imagens simbólicas:
Esta sombra corporal projetada nas fotografias, com a atriz presente à frente do publico, gera uma relação diferente daquela se ela fosse projetada vindo detrás da superfície de projeção:
“el símbolo rehúsa hablar claro, es ambíguo, sugerente y se resiste a uma interpretacion única. El deciframento de sus posibles señales requiere de um espectador-ínterprete que procese y entienda la dimensíon semiótica de todo lo que le propone el objeto em la dimensíon semíotica de todo lo que le propone el objeto en movimento.”⁷
Então, dependendo da sequência em que a composição das imagens estivesse colocada em relação a cena, poderia ser interpretada de maneiras diversas, se aparece uma sequência de mulheres sozinhas e depois fotos de famílias, onde os homens estão costurados tem um significado, mas se invertemos a ordem de aparição a leitura muda. Dessa maneira decidimos por uma sequência de ações e imagens para seguir uma leitura que estava na escrita do roteiro dramatúrgico.
A cena começa com a atriz entrando em cena com o vestido de noiva em mãos, superfície de projeção decidida em relação também à dramaturgia, na sequência o pendura em um cabide. O vestido sobe convertendo-se em uma tela de projeção. A atriz que está à vista do publico pega o controle do projetor de slide, que também está a vista e começa a manipular a própria passagem de fotos. Se projetam fotos de mulheres sozinhas, com outras mulheres, meninas, crianças, criando uma relação de interação mais direta com as fotos. A sombra da atriz realiza ações sobre as fotos, criando significados na composição das diferentes camadas, projetor, atriz, projeção da foto e sombra corporal, sempre propondo emoções e ações como carinho, desprezo, surpresa, empatia, reconhecimento.
Experimentações com sombra e fotografia, maio 2023. Foto: Diego Bresani.
“La situacion cambia radicalmente si la sombra corporal es, por el contrario, usada delante de la pantalla, porque em este caso nunca se propone como presencia autônoma, sino como sombra de um cuerpo, y entonces adquiere significado sobre todo em relacíon com quien la emite em escena... Esto hace de la sombra delante de la pantalla uma presencia metafórica, uma proyjecion de la esfera de lo psíquico, mas que de la esfersa del corporal...”⁸
Esta relação gerada pelas camadas propostas, reforça o conflito interno que está vivendo a protagonista nesse momento, trazendo uma relação familiar que existe no seu psiquismo para ser apresentada ao publico, realizando uma intervenção com sua sombra corporal. Quando termina de passar as fotos, Soledad liga o retroprojetor com uma foto de noivas e eu ligo o projetor de slides, construindo uma sobreposição de projeções de imagens, onde alguns momentos podemos ver as noivas sendo costuradas ao vivo, em outro as fotos onde os homens aparecem costurados. A ação da atriz neste momento acontece de acordo com as intervenções propostas nas fotografias projetadas. O corpo dela vai se afetando junto com a passagem das fotos até ela ficar deitada no chão, então se projeta a foto de uma mulher olhando para um bebe que está com a cara costurada. O corpo da atriz é iluminado pelo retroprojetor e a sua sombra projetada se incorpora à projeção de um líquido de cor vermelha. Com este desfecho da cena o tema do aborto ou a ideia de não-maternidade é colocada em cena, a cara do bebe sobreposta com a sombra da atriz traz algo de negação, negar a ideia do mandato social feminino.
Todo esse conjunto de imagens e ações fazem parte de uma escrita dramatúrgica, dos elementos apresentados: a fotografia, o corpo, a sombra corporal, a costura, a cor vermelha. Construimos significados, mas deixamos em aberto para o público fazer as suas próprias associações e intepretações, sem que, por meio da palavra, algo seja explicado.
Se a fotografia é o ato de escrever com a luz e o teatro de sombras é o ato de brincar com a ausência da luz, aqui transformamos a fotografia do papel em luz, para criar uma memória ausente de figuras masculinas na história familiar da atriz/fundadora da Cia Lumiato, onde a linha da costura tem a função de juntar essas memórias guardadas à sombra da história. A luz nos revela o importante que é conhecê-las.
1 Arte y memória intervencíon artística sobre el álbum familiar-Pablo Tesoriere, https://drive.google.com/file/d/1oSQDgwddXNl33f_ojHh-M5vWAuCXHRtL/view
2 FAVERO, Alexandre. Dramaturgias das sombras. Revista Moin-Moin número 9
3 https://www.diegobresani.com/
4 (Boerdam y Oosterbaan 1980: 102). (Ortiz García, 2005, pág. 158)
5 (Lorena Amorós, 2015)
7 Curci, Rafael – Dialetica del titiritero em escena: uma propuesta para la actuacon com títeres
8 Montecchi, Fabrizio Mas alla de la pantalla: hacia una Identidad en el teatro de sombras contemporâneo, 1 edicon – San Martin: Unsam Edita, 2016
Memória Matriz, março 2024, Cia Lumiato Brasil - Direção Ana Alvarado. Foto: Maisa Coutinho.
El proceso de investigación para el espectáculo Memoria Matriz de la Compañía Lumiato (Brasil/Argentina) comenzó en 2020 con el desarrollo de la dramaturgia, realizada por Soledad Garcia, abordando cuestiones presentes en su historia familiar, historias de mujeres trabajadoras, inmigrantes, determinadas por las formas de constituirse como mujeres en esta sociedad. Las protagonistas, madre e hija, se encuentran para dar paso a una nueva historia de vida, una historia de ficción creada a partir de los recuerdos presentes en los relatos de cada una de las mujeres de la familia, por lo que se ha querido trabajar con los archivos personales de su familia, como fotos, escritos, prendas de vestir y objetos. Según el fotógrafo argentino Pablo Tesoriere¹:
Escrituras de LUZ – Hibridismo en la construcción dramatúrgica del teatro de sombras contemporáneo
Por: Thiago Bresani
Thiago Bresani, es licenciado en Teatro de Títeres y Objetos por la Universidad de San Martín de Argentina. Es fundador, productor y sombrista de Cia Lumiato Teatro de Formas Animadas (2008), que actualmente investiga el teatro de sombras contemporáneo en Brasil. Trabaja con teatro de formas animadas desde 2005, participando en diversos espectáculos y festivales nacionales e internacionales.
En este sentido, el espectáculo Memoria Matriz pretende revelar lo que se esconde dentro de un archivo familiar, sus historias contadas de generación en generación a través del hibridismo de la fotografía analógica, la danza y el teatro de sombras contemporáneo, siendo este archivo la materia prima para escribir la dramaturgia del espectáculo.
Las fotos estaban en Buenos Aires, Argentina, con la mamá de Soledad. Así que lo primero que había que hacer era buscar este tesoro de fotos, pero desgraciadamente no fue posible porque en 2020 las fronteras estaban cerradas debido a la pandemia de COVID-19. Obligados a posponer el encuentro con el archivo familiar, continuamos escribiendo la dramaturgia junto a la directora argentina Ana Alvarado, para construir esta obra que recién se estrenaría en marzo de 2024.
Este artículo trata de la investigación sobre la intervención en la fotografía, la transformación del archivo en luz y su uso simbólico para la construcción de una dramaturgia de la sombra, en la primera etapa del proceso de creación del espectáculo Memoria Matriz. Según el investigador y director Alexandre Fávero²:
«Las dramaturgias y narrativas de sombras se combinan de formas múltiples y complementarias. Abarcan otros géneros, diferentes técnicas artísticas y procedimientos para contar, planificar y representar una escena con el lenguaje del teatro de sombras. Requieren una variedad de recursos técnicos específicos para transformar una idea en un guión y materializarlo en escena».
“La apertura de un álbum fotográfico es la apertura a la propia historia. Sin embargo, lo que allí se narra no es un relato completo, es el relato visual editado de una narrativa de momentos felices que excluye y omite secretos familiares y todo aquello que quiere ser silenciado.”
Así que cuando pensamos en trabajar con la historia familiar de Soledad, ya teníamos en mente la utilización de su archivo fotográfico familiar, pero para ello necesitábamos transformar esas fotos de papel en luz, sólo así podríamos utilizarlas como proyección. Tendríamos varias etapas más, hasta llegar a la escritura de la luz.
Cuando se reabrieron las fronteras, se pudo realizar el viaje en busca de las fotos. Con el archivo fotográfico en la mano, lo primero fue ponerse en contacto con el fotógrafo Diego Bresani, para organizar una sesión de fotos y transformar todo el archivo analógico en digital. La sesión fotográfica digitalizó más de 100 fotos, preservando la memoria de aquel archivo de más de 80 años, del cual muchas estaban deterioradas considerablemente.
Con las fotos digitalizadas, llegó el momento de seleccionar las que se utilizarían para la exposición Memoria Matriz. Carmen Ortiz García comenta⁴:
Registro de los archivos - Soledad Garcia, marzo 2022 , Brasil. Foto: Thiago Bresani.
Para Soledad, la intervención en el archivo era a menudo compleja, porque allí estaba cosiendo sus propios recuerdos, transformando el archivo familiar. No es lo mismo coser a un desconocido, que a su propio abuelo. De este modo, la intervención era una confrontación con su propia historia, resignificando su pasado de forma directa. Para ello fue fundamental el asesoramiento del artista de la imagen Bruno Bresani. Tuvimos algunos encuentros virtuales con él para entender cómo trabajar la intervención en el archivo familiar de forma poética y simbólica.
Siguiendo este proceso, junto con Ana Alvarado, decidimos qué fotos irían en papel fotográfico y cuáles, con la intervención del cosido, serían captadas de forma analógica con película positiva de 35mm y transformadas en diapositivas, para que pudieran ser utilizadas en la proyección con luz, construyendo imágenes y escenas con el lenguaje del teatro de sombras contemporáneo. Hicimos revelar la película y las diapositivas llegaron en 20 días. Este proceso de transformación del pasado, del archivo, de la memoria, es muy interesante. Antes teníamos papel y ahora el papel físico se ha modificado para utilizarlo como luz.
“La selección es en gran medida inconsciente y en general trata de reproducir uma atmósfera equilibrada y feliz. En este sentido hay una serie de ocasiones o temas que se resisten a ser fotografiados (dolor, miseria, disputas, enfermedad, muerte y sexo); su inclusión en las colecciones o álbumes familiares no parece pertinente, por considerar que se trata de fotografías agresivas, impropias o insultantes.”
Por eso, en la selección no se priorizaron las fotos con «ambiente alegre», sino las que transmitían algo que quería ser contado dentro de la historia, las que podrían utilizarse a favor de la dramaturgia. Fotos rotas, fotos escritas con declaraciones de amor, fotos de mujeres solas, fotos de parejas, fotos de familias, ya tenían algo que contar, ya fuera a través del tiempo, de las palabras o de los personajes de esos retratos. Todas estas composiciones fotográficas diferentes nos guiaron en la búsqueda de un significado que luego se pondría a prueba en el escenario.
Las dos abuelas de Soledad eran modistas, por eso se eligió la costura como elemento plástico. Las intervenciones sobre las fotos se realizaron con hilo de coser rojo, utilizando este color como elemento dramatúrgico, simbolizando la sangre, el amor y la muerte. También fue necesaria la digitalización del archivo, ya que no queríamos intervenir en las fotos originales. Esto nos permitió imprimir varias copias en papel normal para realizar prototipos y pruebas de costura.
¿Qué significaría coser la cara de un hombre en la foto? ¿Que está ausente? ¿O que fue responsable de algún acto de violencia? ¿O de una mujer? ¿Qué significaría coser un niño? Todo el proceso de elección y costura fue muy intuitivo y libre, fue un proceso largo. Según Lorena Amorós⁵:
Prototipos de las fotos intervenidas con costura, septiembre 2022, Brasil. Foto: Thiago Bresani.
“El resultado puede entenderse como un compendio de imágenes discontinuas de carácter irónico y sin límites definidos, cuya intención es desbaratar el archivo familiar. Esta tarea de restituir, distorsionar, recomponer lo fotografiado y pintar el autorreferencial que todos heredamos, está vinculada con la necesidad de confrontar y volvernos contra lo que un día fuimos y ya no somos; contra lo que pensábamos que nos pertenecía y no logramos encontrar.”
Fotos/Slides reveladas, 2023, Brasil. Foto: Thiago Bresani.
Empezamos entonces a ensayar e investigar el uso de proyecciones de diapositivas, utilizando un proyector de diapositivas Kodak Carrousel como fuente de luz. Hubo algunos ensayos con la intérprete Katiane Negrão e improvisaciones en relación con las fotografías, experimentando con los símbolos que queríamos generar en relación con la sombra de la actriz y las fotos. Hicimos algunos ensayos abiertos para amigos y colegas de las artes escénicas, y recibimos muchos comentarios sobre lo que significaba cada foto, o cada intervención que se hacía sobre ella, ya fuera con el hilo de coser o con el toque de la sombra de la actriz. En ese momento nos dimos cuenta de que todo lo que habíamos creado estaba abierto a muchas lecturas, dependiendo de la persona que lo viera, de sus experiencias y referencias particulares, generando imágenes simbólicas:
Esta sombra corporal proyectada sobre las fotografías, con la actriz frente al público, genera una relación diferente a si se proyectara desde detrás de la superficie de proyección:
“el símbolo rehúsa hablar claro, es ambíguo, sugerente y se resiste a uma interpretacion única. El deciframento de sus posibles señales requiere de um espectador-ínterprete que procese y entienda la dimensíon semiótica de todo lo que le propone el objeto em la dimensíon semíotica de todo lo que le propone el objeto en movimento.”⁷
Así, dependiendo de la secuencia en que se colocara la composición de las imágenes en relación con la escena, podría interpretarse de diferentes maneras: si aparece una secuencia de mujeres solas y luego fotos de familias, donde los hombres están cosidos, tiene un significado, pero si invertimos el orden de aparición, la lectura cambia. Así que decidimos una secuencia de acciones e imágenes para seguir una lectura que estaba escrita en el guión dramatúrgico.
La escena comienza con la actriz entrando en escena con un vestido de novia en las manos, una superficie de proyección también decidida en relación con la dramaturgia, y a continuación lo cuelga en una percha. El vestido se eleva, convirtiéndose en una pantalla de proyección. La actriz, que está a la vista del público, toma el control del proyector de diapositivas, que también está a la vista, y comienza a manipular el paso de las fotos. Se proyectan fotos de mujeres solas, con otras mujeres, niñas, niños, creando una relación de interacción más directa con las fotos. La sombra de la actriz realiza acciones sobre las fotos, creando significados en la composición de las diferentes camadas, proyector, actriz, proyección de fotos y sombra del cuerpo, proponiendo siempre emociones y acciones como cariño, desprecio, sorpresa, empatía, reconocimiento.
Experimentos con sombra y fotografía, mayo 2023, Brasil. Foto: Diego Bresani.
“La situacion cambia radicalmente si la sombra corporal es, por el contrario, usada delante de la pantalla, porque em este caso nunca se propone como presencia autônoma, sino como sombra de um cuerpo, y entonces adquiere significado sobre todo em relacíon com quien la emite em escena... Esto hace de la sombra delante de la pantalla uma presencia metafórica, uma proyjecion de la esfera de lo psíquico, mas que de la esfersa del corporal...”⁸
Esta relación generada por las capas propuestas refuerza el conflicto interno que vive la protagonista en este momento, llevando una relación familiar que existe en su psique a ser presentada al público, realizando una intervención con su sombra corporal. Cuando termina de mostrar las fotos, Soledad enciende el retroproyector con una foto de las novias y yo enciendo el proyector de diapositivas, creando una superposición de proyecciones de imágenes, donde en algunos momentos podemos ver a las novias siendo cosidas en directo, y en otros las fotos donde aparecen los hombres cosidos. En este momento, la acción de la actriz se desarrolla en función de las intervenciones propuestas en las fotografías proyectadas. Su cuerpo se ve afectado por el paso de las fotos hasta que está tumbada en el suelo, momento en el que se proyecta la foto de una mujer que mira a un bebé con la cara cosida. El cuerpo de la actriz es iluminado por el retroproyector y su sombra proyectada se incorpora a la proyección de un líquido de color rojo. Con este desenlace, se pone en escena el tema del aborto o la idea de la no maternidad, el rostro del bebé superpuesto a la sombra de la actriz aporta algo de negación, respecto de la idea del mandato social femenino.
Todas estas imágenes y acciones forman parte de un guión dramatúrgico, de los elementos presentados: la fotografía, el cuerpo, la sombra del cuerpo, las costuras, el color rojo. Construimos significados, pero dejamos que el público haga sus propias asociaciones e interpretaciones, sin explicar nada con palabras.
Si la fotografía es el acto de escribir con luz y el teatro de sombras el acto de jugar con la ausencia de luz, aquí hemos transformado la fotografía de papel en luz, para crear una memoria de figuras masculinas ausentes en la historia familiar, donde el hilo de coser tiene la función de unir estas memorias guardadas a la sombra de la historia. La luz nos revela lo importante que es conocerlas.
1 Arte y memoria intervención artística sobre el álbum familiar, Pablo Tesoriere, https://drive.google.com/file/d/1oSQDgwddXNl33f_ojHh-M5vWAuCXHRtL/view
2 FAVERO, Alexandre. Dramaturgias das sombras. Revista Moin-Moin número 9
3 https://www.diegobresani.com/
4 (Boerdam y Oosterbaan 1980: 102). (Ortiz García, 2005, pág. 158)
5 (Lorena Amorós, 2015)
7 Curci, Rafael. Dialéctica del titiritero en escena: una propuesta para la actuación con títeres.
8 Montecchi, Fabrizio. Más alla de la pantalla: hacia una identidad en el teatro de sombras contemporáneo. 1ª Edición. San Martín: Unsam Edita, 2016.